Ravensbrück: O Campo Esquecido das Mulheres na Guerra

A brutalidade da Segunda Guerra Mundial não poupou ninguém, e, entre os muitos campos de concentração espalhados pela Europa, um local permanece pouco conhecido: Ravensbrück. Situado a 80 km de Berlim, esse campo, que operou de 1939 até 1945, era reservado exclusivamente para mulheres. Ao longo desses seis anos, cerca de 130 mil prisioneiras passaram pelos portões do campo, vivendo sob condições desumanas e enfrentando horrores indescritíveis.

Apesar de seu papel cruel e do sofrimento que infligiu, Ravensbrück não é um nome amplamente lembrado, como Auschwitz ou Dachau. “Eu me deparei com essa história e percebi que era praticamente desconhecida,” afirmou Sarah Helm, autora de um estudo profundo sobre o campo. Este esquecimento não apaga o fato de que dezenas de milhares de mulheres morreram de fome, frio, exaustão ou foram executadas pelos nazistas, vítimas de um sistema que as tratava como números descartáveis.

Entre as prisioneiras, havia mulheres de diversas origens: judias, ciganas, prostitutas, ativistas políticas e qualquer uma que, sob o regime nazista, fosse considerada “inútil”. Selma van der Perre, uma sobrevivente de Ravensbrück, relembrou à BBC a crueldade diária. “Acordávamos com gritos às quatro da manhã. Tomávamos um café fraco e íamos trabalhar na fábrica da Siemens, onde o pagamento ia direto para a SS. Voltávamos ao campo às oito da noite, recebíamos um prato de sopa e dormíamos. Essa era a rotina.”

No entanto, a realidade ia muito além do trabalho escravo. Experimentos médicos brutais eram conduzidos em mulheres selecionadas. Entre 1942 e 1945, prisioneiras, conhecidas como as “77 cobaias”, foram submetidas a torturas sob o disfarce de ciência. Vidro, madeira e terra eram inseridos em seus corpos, sem anestesia, e a maioria não recebia qualquer tratamento. Essas mulheres foram mutiladas física e emocionalmente, vítimas de um sistema que procurava explorar até o último resquício de dignidade humana.

Ainda assim, no meio do desespero, surgiram atos de coragem. Quando chegou a hora de exterminar as “cobaias”, os guardas enfrentaram uma resistência inesperada: as próprias prisioneiras se uniram para esconder as sobreviventes desses experimentos. “Esses testes não provaram nada para a ciência, mas provaram muito sobre a humanidade,” escreve Helm, destacando a solidariedade que floresceu no inferno de Ravensbrück.

A trágica realidade de Ravensbrück também envolveu um dos últimos atos de extermínio nazista. Mesmo após a suspensão das câmaras de gás nos campos da Europa Oriental, uma foi montada em Ravensbrück em 1945. Seis mil mulheres foram assassinadas nessa fase final, um número terrível que ficou amplamente esquecido nas páginas da história.

Por que Ravensbrück, um local de tamanho sofrimento e coragem, foi relegado ao esquecimento? Parte dessa negligência pode ser atribuída à divisão da Alemanha no pós-guerra. Com o início da Guerra Fria, Ravensbrück, localizado na Alemanha Oriental, caiu sob a Cortina de Ferro. O campo, que antes testemunhara crimes de gênero hediondos, foi convertido em símbolo da resistência comunista, apagando das memórias ocidentais as histórias das mulheres que ali sofreram e resistiram.

A consequência dessa amnésia histórica é clara: ignorar Ravensbrück significa ignorar uma parte crucial da Segunda Guerra Mundial e da história das mulheres. “Não lembrar de Ravensbrück é esquecer as mulheres que enfrentaram o pior da crueldade nazista e, ainda assim, resistiram,” conclui Helm.

Entre essas mulheres estavam figuras como Rosa Jochmann, ativista pelos direitos femininos, e Läthe Leichter, feminista socialista austríaca. Ravensbrück não era apenas um campo de concentração; era um local onde o terror nazista se uniu a uma brutalidade de gênero, com abortos forçados, esterilizações e prostituição forçada. Mulheres como Elsa Krug, uma prostituta alemã que se recusou a se submeter à violência contra suas companheiras de cativeiro, demonstraram uma resiliência que desafia as sombras da história.

Hoje, embora a maioria dos nomes e rostos das prisioneiras de Ravensbrück tenha desaparecido, as histórias de coragem, resistência e sofrimento ainda ecoam. E, para lembrar essas mulheres, é preciso trazer à luz os crimes cometidos contra elas – crimes que, por muitos anos, foram obscurecidos pelo silêncio da história.

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