Relato de um Tenente da FEB na Batalha de La Serra

***IMAGEM ILUSTRATIVA***

No dia 24 de fevereiro de 1945, a paisagem montanhosa da Itália era tomada pela tensão. Os ecos de tiros e explosões rasgavam o ar frio, enquanto o II Batalhão do 1º Regimento de Infantaria (RI), conhecido como Batalhão Syseno, avançava com determinação para tomar a posição estratégica de La Serra. À frente de seu pelotão, o 1º Tenente R/2 Antônio de Andrade Poti, Comandante do 3º Pelotão da 7ª Companhia do III Batalhão do 6º Regimento de Infantaria, se preparava para enfrentar um dos mais difíceis desafios de sua carreira.

Natural de Teresina, no Piauí, Poti já havia demonstrado sua liderança e coragem em diversas missões. Naquele dia, no entanto, ele sabia que a situação era diferente. O inimigo estava entrincheirado, fortemente armado e determinado a resistir a qualquer custo. Durante horas, o combate foi intenso. Os soldados do Batalhão Syseno enfrentaram uma resistência feroz, avançando palmo a palmo em um terreno áspero e traiçoeiro. A conquista de La Serra marcou o final da primeira fase da ofensiva do IV Corpo de Exército, mas a luta estava longe de terminar.

Nos dias seguintes, o Alto Comando ordenou um ajuste na linha de frente. A 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) retomou a ofensiva no início de março, e o Vale do Marano tornou-se o próximo alvo. O avanço para Castelnuovo, conduzido pelo 6º e 11º RI em 5 de março, visava preparar o terreno para o grande golpe: a “Ofensiva da Primavera”, cujo objetivo era romper a “Linha Gengis Khan” e abrir caminho até a Planície do Pó.

Durante a limpeza do Vale do Marano, a 7ª Companhia, liderada por Poti, e a 9ª Companhia do III/6º RI atacaram Santa Maria Villiana. O combate foi brutal. “O fogo inimigo era incessante,” recorda-se Poti, com a voz marcada pela memória dos disparos e das explosões. “Granadas de artilharia cortavam o céu, enquanto tiros de metralhadora ressoavam por todos os lados.” Foi ali, sob intensa reação alemã, que ele recebeu seu batismo de fogo. Naquela batalha, sua liderança foi colocada à prova, enquanto conduzia seus homens com determinação e coragem inabalável.

Com o sucesso da operação em Santa Maria Villiana, a 1ª DIE iniciou sua ofensiva contra Montese e Montello. O General Mascarenhas de Moraes, comandante da divisão, sabia que conquistar esses pontos estratégicos era essencial para quebrar a resistência alemã e abrir caminho para o Vale do Panaro. O 11º RI foi encarregado de atacar Montese e Serreto, mas o avanço foi lento e dificultado pela forte resistência inimiga.

Foi em Monte Buffone, um ponto crítico da operação, que a situação se agravou para o 3º Pelotão de Poti. A 7ª Companhia, da qual ele fazia parte, foi violentamente atacada por artilharia e morteiros alemães. “Cada passo adiante era um desafio,” descreve Poti. “Os tiros de morteiro caíam como chuva, e o barulho ensurdecedor dos projéteis explodindo ao redor fazia com que o chão tremesse sob nossos pés.” Seu pelotão sofreu pesadas baixas, e ele próprio foi gravemente ferido no confronto. “Senti a dor aguda atravessar meu corpo, mas sabia que não podia parar,” relembra.

Ferido e incapaz de continuar, Poti foi evacuado para o Hospital de Sangue. Mas, como em muitas batalhas, o caos imperava. “A evacuação foi caótica,” relembra ele. “Os padioleiros estavam ocupados com outros feridos. Acabei sendo transportado numa cama improvisada feita de um estrado.” Finalmente, ele chegou ao Seven Evacuation Hospital, em Livorno, onde recebeu cuidados médicos. Seus ferimentos foram tratados, e ele teve alta no dia 20 de maio de 1945. Mas as marcas da guerra permaneceriam para sempre.

Após sua recuperação, Poti seguiu para Nápoles, de onde embarcou para Natal, no Brasil, e depois para o Rio de Janeiro. Em Teresina, sua terra natal, ele continuou o tratamento, cercado por familiares e amigos. Apesar das cicatrizes físicas e emocionais, sua determinação de continuar servindo ao país permaneceu intacta. Em março de 1946, ele se matriculou no Curso de Oficiais da Reserva (COR) na Academia Militar das Agulhas Negras, onde buscou aprimorar ainda mais suas habilidades militares.

Durante os anos seguintes, Poti permaneceu no Exército, dedicando-se ao aperfeiçoamento constante e à formação de novos militares. Como Major, ele chegou a comandar o 25º Batalhão de Caçadores, em Belo Horizonte, até ser transferido para a reserva no posto de Tenente-Coronel. A liderança, o comprometimento e o espírito de sacrifício que marcaram sua trajetória no campo de batalha continuaram a inspirar aqueles que o conheciam.

A história do 1º Tenente Antônio de Andrade Poti é a de um líder que, em meio ao caos da guerra, nunca hesitou em colocar a segurança de seus homens e a missão acima de sua própria segurança. Em Monte Buffone, seu pelotão enfrentou o inferno. Sob sua liderança, a 7ª Companhia resistiu, avançou e, finalmente, sobreviveu. O sacrifício pessoal de Poti, suas feridas e suas perdas, são um testemunho do preço da guerra, mas também da força de um espírito indomável.

A narrativa do Tenente-Coronel Poti e de seus homens representa o sacrifício e a determinação de um grupo que enfrentou as condições mais adversas, onde a luta pela liberdade e pela honra estava acima de tudo. Seus relatos, como este, ajudam a lembrar a todos nós do imenso sacrifício feito por tantos, em terras distantes, em nome de uma causa maior. Uma causa que, para muitos, terminou no solo italiano, mas que, para Poti, continuaria a moldar sua vida, sua memória e seu legado.

Este é o retrato de um homem e de seus companheiros, combatentes que, em meio ao caos da guerra, mantiveram sua coragem e dignidade, oferecendo tudo o que tinham em prol de um ideal de liberdade e justiça.

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