A Noite Mais Longa em Guanella
***Imagem ilustrativa*** Imagem do site https://jornalismodeguerra.com/
Helio Mendes, natural de São Paulo, um jovem tenente recém-formado pela Escola Militar do Realengo, se viu imerso em um dos cenários mais desafiadores do conflito, nas montanhas da Itália. Ali, no coração de uma guerra implacável, ele testemunharia o peso das decisões solitárias, o desafio de sobreviver e a crua realidade do combate. Integrando a Força Expedicionária Brasileira, Mendes assumiu funções de extrema responsabilidade: Comandante de Linha de Fogo, Observador Avançado e Oficial de Manutenção da 1ª Bateria do IV Grupo de Obuses.
Na linha de frente, próximo à posição de Guanela, Mendes foi designado temporariamente ao II Grupo de Artilharia, substituindo um observador avançado ferido. Sob seu comando, estavam apenas dois cabos: um radioperador e um telefonista. O Capitão Comandante da 4ª Companhia do 11º Regimento de Infantaria, que ele apoiava, o avisara que a retirada ocorreria na noite seguinte. Naquele contexto, a substituição significava que uma nova tropa ocuparia exatamente as mesmas posições de combate. Tudo parecia estar conforme o esperado, mas o destino tinha outros planos.
Ao amanhecer do dia seguinte, Helio Mendes percebeu que estavam sozinhos. A 4ª Companhia havia se retirado, e a área de Guanela, de vital importância estratégica, estava agora desguarnecida. “Foi um choque perceber que não havia ninguém ao nosso redor”, recordou mais tarde. Sem suprimentos e sem reforços, eles se encontravam em uma posição extremamente vulnerável.
Os cabos, inquietos, questionavam o tenente: “Mas, Tenente… não veio nada do Grupo? Não veio nenhuma ordem?” E ele respondia, tentando manter a calma: “Eu não vou perguntar, porque senão eles vão pensar que nós estamos querendo sair daqui de qualquer jeito, ou vão pensar que nós estamos com medo de ficar aqui. Foi dada a ordem para aguardar, vamos aguardar.” O dia inteiro passou sem comida, sem água, e apenas ao anoitecer veio a ordem de retirada do II Grupo. No entanto, a situação era arriscada. A noite estava escura, o terreno era desconhecido e a possibilidade de confronto com patrulhas inimigas ou até mesmo com as próprias forças aliadas era grande.
A decisão de abandonar a posição naquele momento poderia significar a morte. “Não conhecia o novo dispositivo de nossa tropa na área e, sem saber a senha do dia da infantaria, o risco de topar com alguma patrulha brasileira ou alemã pelo caminho era imenso,” ele refletiu. Optou por aguardar a luz do dia para iniciar o retraimento. A noite foi longa e gelada. A escuridão era cortante, o frio penetrava até os ossos, e o silêncio só era interrompido pelas explosões ocasionais ao longe.
Ao amanhecer, finalmente começaram a retirada. O medo de ser emboscado ou de pisar em terreno minado era constante. Mas Mendes e seus dois homens mantiveram a calma, movendo-se lentamente, atentos a qualquer som ou movimento. Cada passo era uma batalha travada contra a incerteza e o pavor de não saber o que viria a seguir.
O risco de ser pego por uma patrulha inimiga era real, pois Guanela era uma posição disputada com intensidade. O local tinha sido bombardeado intensamente após ser ocupado pela 4ª Companhia do 11º Regimento de Infantaria, que havia recebido um ataque feroz dos alemães logo em sua estreia no combate. A destruição ali era tal que, quando Helio Mendes chegou, constatou que os danos causados por seus próprios tiros de artilharia eram maiores do que aqueles causados pelos inimigos.
Durante todo o período em que esteve em Guanela, a posição foi bombardeada pelos alemães a cada duas horas, nas horas pares, sem trégua. O sofrimento da tropa foi tal que muitos começaram a duvidar de suas chances de sobrevivência. Mendes sabia que qualquer decisão errada poderia significar a morte de seus homens. Por isso, decidiu esperar pela manhã, pela luz do dia que traria alguma clareza, embora ciente de que qualquer hesitação poderia ser interpretada como medo.
No entanto, a decisão de permanecer durante a noite, aguardando o momento certo para se retirar, foi um verdadeiro teste de resistência e coragem. “Nós passamos a noite em claro, sentindo um frio terrível. Quando começou a clarear, nós pegamos todo o nosso material e saímos,” lembrou. O retraimento ao amanhecer foi, sem dúvida, a melhor escolha, permitindo que eles evitassem ser surpreendidos no escuro, em meio a um território hostil.
Na guerra, há momentos em que a sobrevivência depende de escolhas rápidas, muitas vezes feitas com informações incompletas e sob extrema pressão. Helio Mendes e seus homens provaram que a coragem nem sempre reside em avançar cegamente, mas, por vezes, em saber esperar, em calcular cada movimento e, sobretudo, em ter a paciência de aguardar o momento certo para agir. A batalha pela sobrevivência em Guanela foi uma lição de resiliência e de estratégia, uma prova de que, mesmo nos momentos mais sombrios, há espaço para a determinação e para o espírito de luta.